Por: Álvaro Perazzoli
Essa entrevista foi originalmente realizada e publicada em 2008 para a conclusão de um trabalho universitário em um blog experimental chamado Morando na Rua. A página em questão era administrada e alimentada por um grupo de alunos durante um relativo período.
O assunto discutido foi polêmico por ir contra o senso comum de que “todo sujeito que está na rua deve ser reintegrado”.
Tamanha foi a divergência de idéias, que na época fui boicotado pelo responsável pela seleção dos textos do grupo que seriam avaliados pelos professores.
A entrevista em questão é com o psicólogo paulista Rafael de la Torre Oliveira que na época tinha 24 anos. Neste bate-papo são discutidos temas relacionados à imagem social, reinserção e o comportamento dos moradores de rua.
Confira:
MR: Como você considera a ação das pessoas que optam por morar na rua?
RTO: Há muitos aspectos que devem ser levados em conta. É necessário analisar a estrutura familiar e as expectativas da família com relação a esse indivíduo. A função familiar ficou marginalizada pelo capitalismo, portanto a escola é quem deve tomar este papel, que é inserir a pessoa nos valores da sociedade. Isso pode ocasionar um conflito entre a realidade da pessoa e a realidade familiar, logo a opção deste indivíduo pode não ser a expectativa dos pais.
MR: Quais são os valores da sociedade que a escola deve passar?
RTO: Os valores da moral, porém o sistema educacional não tem apoio e os professores acabam também marginalizados em relação à instituição. Em uma sociedade onde a família está marginalizada, o educador acaba tendo que fazer o papel da mãe e do pai. Logo o indivíduo não se reconhece, diante desta realidade a escolha pode ser a rua, ou seja, o mundo das experiências, onde o limite é exceder. E partindo de uma visão anarquista, essas pessoas de certa forma estão contra o poder e acabam vivendo em um sistema paralelo.
MR: Qual a sua visão sobre as pessoas que moram na rua devido o fracasso social, ou seja, por condição?
RTO: A sociedade que a gente vive exige complexibilidade e modernidade, onde uma criança mal nasceu e já deve estar matriculada em uma escola e falar cinco idiomas. Não sei onde fica a identidade dessas pessoas perante essas exigências do mundo empresarial. Alguém da sua escola ou faculdade disse para você fazer psicologia, jornalismo ou isso já estava internalizado em você? Não dá para classificar como alienação, pois essa pessoa já se conhece nessa rotina, já está interiorizado nela, ela já pensa que faz parte disso. São valores pregados pelo sistema como “bem estar – social” e nessa sociedade não pode ter falhas. As pessoas marginalizadas são falhas desse sistema, portanto é muito mais fácil classificar como fracasso social pessoal do que dizer que esse modelo de sociedade não funciona.
MR: E o desespero incessante pelo sucesso?
RTO: O sucesso é uma cobrança exigida desde que você nasce. São valores que são passados por praticamente todos os meios de comunicação. Você pode analisar pelas imagens da mídia, são sempre alegóricas. Para ser feliz tem que ter dinheiro, tem que ser bem sucedido, tem que usar um terno caro, as mulheres ao seu lado devem ser bonitas, tem que ter uma casa na praia. A sociedade prega essa imagem. A propaganda do Mac Donalds, por exemplo, pelo que me lembro, as pessoas usam terno, vão na hora do almoço, são bem sucedidas. Essa é a imagem. Se você for no nessa rede fast-food você será “bem sucedido”, eles iludem você nessa ideologia. É necessário entendê-la, pois ela fala 20% da realidade e maquia 80% do que não é. Não é possível construir uma ideologia somente em mentiras, tem que ter algo de verdade. Então é nesse aspecto que a cobrança vem.
MR: Como sabemos, alguns sem teto estão na rua como opção e não por condição. Com base nisso, qual a sua análise sobre o conceito de que todo morador de rua deve ser desesperadamente reintegrado?
RTO: É basicamente o problema que teve lá no Amazonas de inserção, acho que em 2.005. Um vereador “muito inteligente”, quis levar para os índios, escola, educação e informática. Mas o que não
foi perguntado, foi o porquê o índio tem que saber informática. Acho que deve ser compreendido o que ele realmente precisa, como a técnica de pesca, a preservação de suas reservas, coisas desse tipo, coisas da cultura dele. Uma vez eu estava em frente ao MASP e veio até a mim uma pessoa que faz artesanato. Ela perguntou se poderia fazer um anel para mim, eu disse que sim. Nesse intervalo de tempo ele comentou que morava na Bahia e veio para São Paulo de bicicleta tendo já ficado em diversos estados. Perguntei se ele era feliz. Ele respondeu que sim, que era realmente feliz. Posso dizer para você que essa foi uma das pessoas mais sinceras que conheci em toda minha vida, porque se você analisar, qual o motivo que ele teria de mentir para mim? Foi ele que escolheu isso. Comentou também que seus pais também são assim e nesse momento estão viajando para algum lugar. No fim, o máximo que ele me pediu foi um real para ele poder dormir e comer. Essas pessoas não devem ser tratadas como seres que têm problemas, marginais ou que passam a imagem de fracasso. Falta compressão. Sobre o trabalho, eles trabalham de verdade, pois fazem o trabalho que realmente precisam. É um sistema paralelo, pois quase todos eles se conhecemse ajudam na medida do possível. É de certa forma uma coletividade em uma realidade onde talvez os laços são mais humanos e as relações são mais verdadeiras. Eles não são presos ao sucesso e ao conceito de que tem que passar por cima de tudo. O “eu” é colocado de lado na sociedade que faz valer o velho ditado de que o “eu mais eu é igual a eu”, talvez para eles o “eu mais o mundo é igual a nós”.
MR: Defina reintegração
RTO: Não sei se é necessário, pois depende do que é e para que você vai reintegrar alguém. Se você não tem uma visão altruísta que te cega. Você quer ajudar, mas e daí? E se o sujeito não quer essa ajuda,? É necessário prestar atenção nas suas vontades pessoais para não ser colocadas a frente do que o que a pessoa quer de verdade.
MR: Como você explica a patologia psicológica que muitos moradores de rua apresentam? Ao que se atribuí isso? As drogas, a solidão?
RTO: As patologias apresentadas sobre as formas de delírios e alucinações podem ser devido ao uso excessivo de drogas e talvez uma tendência biológica devido a características da desnutrição. Isso tudo ajuda essas pessoas a apresentarem essas manifestações. Isso acaba entrando no ambiente da psiquiatria. Agora sobre a pergunta da causa, é necessário analisar a história de cada um, pois algumas neuroses podem vir da infância, isso na área psicológica. Na área psiquiátrica, seria necessário fazer uma intervenção, fazer um diagnóstico e dar o remédio.
MR: Para as pessoas que estão na rua por condição social e desejam serem reintegradas na “sociedade do consumo”, quais tipos de tratamentos deve ser levado em
conta nesse processo?
RTO: É necessário desenvolver um trabalho através uma equipe multidisciplinar. É necessário ter políticos engajados nessa possibilidade, educadores, médicos e a imprensa para divulgar esse projeto. É necessário um lugar específico para se fazer essa reinserção, que pode ser um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que é um local que faz tratamento psicológico e psiquiátrico para pessoas carentes. Porém é muito frágil falar de um programa de reinserção em uma realidade como a do Brasil, pois dificilmente eles serão reinseridos sem carregar nenhum estigma de um ex-morador de rua ou de um “ex-marginal”. É necessário uma mudança social completa.
MR: Essa mudança é possível?
RTO: Hoje em dia? É muito difícil…



Muito boa à abertura para discussão desse tema!
Acho que ao se trabalhar com a pessoa em situação de rua deve-se primeiro perguntar:
-Quem é você? O que deseja para sua vida? A partir daí verificar quais são as opções ofertadas pelo estado que possam vir de encontro com as necessidades dessa pessoa.
Realmente alguns moradores o fazem por opção, na rua existe uma maior flexibilidade que é interessante para essas pessoas. Querer impor outra maneira de viver é violentar o direito da pessoa decidir o que deseja para si mesmo.
Há também os que estão na rua por outras circunstancias, que não apenas a livre escolha. Para esses casos faltam serviços que atendam suas necessidades e que possibilitem sua saída da situação de rua. Muitos reclamam da dificuldade de ter acesso ao sistema de saúde, a procura de emprego e ser aprovado nas vagas por conta de não possuírem endereços fixos ou documentos.
Acredito que tudo isso deve ser levado em conta, para não cair nos extremos: “todo sujeito que está na rua deve ser reintegrado” ou ainda “quem está na rua é por opção”.
NÃO VOU DEIZER MUITA COISA, APENSAS DIGO QUE COMO SEMPRE O SEU RAFAEL EXPRESSOU SUAS IDEIAS EM PALAVRAS DIFICIEIS DE ENTENDER!!!RSRSRSRSRS.