Texto: Ălvaro Perazzoli

Torre Branca
Sempre que recordo-me de ti eu vejo os seus olhinhos sorrindo. VocĂȘ sorri atĂ© quando estĂĄ triste.
Hoje voltei um pouco para a minha infĂąncia para escrever para o menino dos meus. Nesse passeio eu tropecei em ti.
Eu chorei hoje por nossas infĂąncias. Quis pegar na sua mĂŁo e correr para a nossa torre velha e branca de concreto
Ela fora abandonada. Um dia foi bem alta, tinha uma escada em caracol e janelinhas estreitas sem vidros que passavam a luz do sol.
A gente corria de mĂŁos dadas nas escadas e vocĂȘ me puxava. No primeiro dia eu tive uma flor com caule bem verde e pĂ©talas alaranjadas na mĂŁo.
VocĂȘ ficou lĂĄ no topo no Ășltimo degrau, eu dois abaixo de vocĂȘ. Te entreguei a flore te olhei por baixo.
VocĂȘ tinha um vestido branco e uma franja loira. Sapatos de bailarina surrados amarrados no tornozelo.
Eu era bochechudo, nĂŁo gostava muito do meu cabelo. Vestia quase sempre uma calça marrom velha e uma camisa listrada azul bebĂȘ com marinho escuro.
Elas eram menores que meu corpo e eu tinha uma barriguinha.Deixava aparecer furtivamente o meu umbigo e vocĂȘ achava graça.
Eu usava umas sandalinhas beges com fivelas e vocĂȘ falava dos meus dedos feios. Ria, me dizia que eu as roubei de velhos.
Eu a olhava com vontade e vocĂȘ desviava com graça. Eu tinha medo e vocĂȘ bolinhas de gude.
VocĂȘ entĂŁo pegou a flor e fechou os olhos. Sentiu o aroma, recostou-se em seus ombros e sonhou.
Eu pousei a minha cabeça nos seus pés e sorri feliz. Era o travesseiro mais confortåvel do universo.
VocĂȘ, como a minha mĂŁe, acariciou meus cabelos e desceu os degraus. EntĂŁo me abraçou e eu aprendi a voar.
Tinha borboletas laranjas, libélulas azuis e abelhas que cantavam enquanto joaninhas saltitavam. E o céu tão cinza ficou tão azul e o sol tão amarelo.
VocĂȘ Tia AbĂłbora e eu Caracol. Eu queria ser astronauta e vocĂȘ bailarina, vocĂȘ era a lua e eu o palco.
Naquela torre velha ninguĂ©m nos fazia mal, nem o passado, nem o presente. Ăramos um par de nĂłs acima de tudo.
EntĂŁo falei que vocĂȘ fora os meus primeiros e Ășnicos olhos verdes. Lembrei do quanto hoje derramei lĂĄgrimas.
TrovÔes ecoaram nos céus e påssaros negros anunciam a mudança de estação. A tempestade aprisionou a nossa infùncia naquela torre e fomos descobertos.
Nossos pais proibiram de nos vermos e nunca mais conseguimos voltar. Ela desapareceu em algum lugar do nosso futuro.
Adulto eu tive mais uma vez a chance de ficar diante das misteriosas meninas verdes que lhe pertencem. MĂŁos pesadas e quase esmaguei as pequeninas esmeraldas.
Hoje naveguei nas lĂĄgrimas e recordei da nossa velha torre branca. Ela era uma torre de lançamento e seus olhos longĂnquas estrelas que me guiavam…

