A nossa velha torre branca

Postado no dia: 21 de June de 2016 por Álvaro Perazzoli em Fotografia, Literatura, Lugares, Poemas

Texto: Álvaro Perazzoli

Torre Branca

Sempre que recordo-me de ti eu vejo os seus olhinhos sorrindo. VocĂȘ sorri atĂ© quando estĂĄ triste.

Hoje voltei um pouco para a minha infĂąncia para escrever para o menino dos meus. Nesse passeio eu tropecei em ti.

Eu chorei hoje por nossas infĂąncias. Quis pegar na sua mĂŁo e correr para a nossa torre velha e branca de concreto

Ela fora abandonada. Um dia foi bem alta, tinha uma escada em caracol e janelinhas estreitas sem vidros que passavam a luz do sol.

A gente corria de mĂŁos dadas nas escadas e vocĂȘ me puxava. No primeiro dia eu tive uma flor com caule bem verde e pĂ©talas alaranjadas na mĂŁo.

VocĂȘ ficou lĂĄ no topo no Ășltimo degrau, eu dois abaixo de vocĂȘ. Te entreguei a flore te olhei por baixo.

VocĂȘ tinha um vestido branco e uma franja loira. Sapatos de bailarina surrados amarrados no tornozelo.

Eu era bochechudo, nĂŁo gostava muito do meu cabelo. Vestia quase sempre uma calça marrom velha e uma camisa listrada azul bebĂȘ com marinho escuro.

Elas eram menores que meu corpo e eu tinha uma barriguinha.Deixava aparecer furtivamente o meu umbigo e vocĂȘ achava graça.

Eu usava umas sandalinhas beges com fivelas e vocĂȘ falava dos meus dedos feios. Ria, me dizia que eu as roubei de velhos.

Eu a olhava com vontade e vocĂȘ desviava com graça. Eu tinha medo e vocĂȘ bolinhas de gude.

VocĂȘ entĂŁo pegou a flor e fechou os olhos. Sentiu o aroma, recostou-se em seus ombros e sonhou.

Eu pousei a minha cabeça nos seus pés e sorri feliz. Era o travesseiro mais confortåvel do universo.

VocĂȘ, como a minha mĂŁe, acariciou meus cabelos e desceu os degraus. EntĂŁo me abraçou e eu aprendi a voar.

Tinha borboletas laranjas, libélulas azuis e abelhas que cantavam enquanto joaninhas saltitavam. E o céu tão cinza ficou tão azul e o sol tão amarelo.

VocĂȘ Tia AbĂłbora e eu Caracol. Eu queria ser astronauta e vocĂȘ bailarina, vocĂȘ era a lua e eu o palco.

Naquela torre velha ninguĂ©m nos fazia mal, nem o passado, nem o presente. Éramos um par de nĂłs acima de tudo.

EntĂŁo falei que vocĂȘ fora os meus primeiros e Ășnicos olhos verdes. Lembrei do quanto hoje derramei lĂĄgrimas.

TrovÔes ecoaram nos céus e påssaros negros anunciam a mudança de estação. A tempestade aprisionou a nossa infùncia naquela torre e fomos descobertos.

Nossos pais proibiram de nos vermos e nunca mais conseguimos voltar. Ela desapareceu em algum lugar do nosso futuro.

Adulto eu tive mais uma vez a chance de ficar diante das misteriosas meninas verdes que lhe pertencem. MĂŁos pesadas e quase esmaguei as pequeninas esmeraldas.

Hoje naveguei nas lĂĄgrimas e recordei da nossa velha torre branca. Ela era uma torre de lançamento e seus olhos longĂ­nquas estrelas que me guiavam…

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