À Navalha

Postado no dia: 6 de May de 2016 por Álvaro Perazzoli em Literatura, Poemas, Poesia, Poesia Maldita

Texto e imagem: Álvaro Perazzoli
A espera

Tu pedistes para lhe esperar…

E durante esta translação fostes a escolhida entre bilhões, tal qual a estrela sorteada por uma criança com seu dedo mágico.

E então durante muitas noites de perdição habitei uma ideia.

Nas noites que mais senti dor e não me abriguei do frio, fostes a salvadora, a mulher que vi como heroína.

Fostes sem saber, meu Valium e a minha cocaína.

Os mais diversos astros femininos atraíram-me com os seus brilhos, mas o lado escuro das suas nove luas que me encantaram.

Nas mais duras batalhas e perdas eu ia abraçar o mar.

Imaginava se o oceano que separava a sua matéria do meu espírito poderia conectar de alguma forma dois continentes.

Então me amedronto com toda essa eterna e completa volta terrena ao redor de um sol.

O agora se resume em minutos que pulsam como milésimos no meu eucentrismo.

E assim estão meus músculos, flamejantes nesta interminável espera prestes a findar-se.

Um tum com tic, outro tum com tac que vão batendo e badalando para cada alma que desembarca neste cais.

Venho por respostas, mas neste momento estou com tantas dúvidas e incertezas.

Ela está chegando…

É assim talvez que os homens quase pais e ainda meninos sentem-se ao esperar seus primogênitos no corredor da maternidade.

Nunca ao certo saberei e apenas divagarei enquanto espero.

Realizei pessoalmente todos os meus partos.

Um temor estranho, gelado de alegria e melado de saudade.

Invade e invade.

A chegada
Eu lhe esperei e aqui estou.

Ela me viu.

O seu abraço não me abraça e o beijo é uma mera e tola fantasia.

A sua progenitora é me apresentada.

Ela confunde meu continente com seu oriente.

Poderia então ser eu um aborígene?

Certamente nesta pobre visão seria mais agradável ser um babuíno sobrevivendo como um serviçal.

Venenos brancos não mais penetram minha pele negra, tal qual quando ameaçada se enrijece como um violento órgão genital masculino e faz com que tudo ao redor torne-se pequeno e insignificante.

Como um cavalheiro inspiro e me apresento como um dançarino que valsa com cem violinos sob um piso límpido de uma luxuosa embarcação.

Assim poderei sempre vislumbrar dos meus aposentos uma estirpe burlesca da mais baixa classe que navega com suas línguas e julgamentos em um desprezível e insignificante oceano de merda.

O caminho
Mãos que não me tocam, abraço que não me abraça, olhos que não me olham, boca que não me beija.

Seu corpo é um poderoso canhão que não atira e o seu coração é uma medieval armadura que não protege.

É como se o meu sentimento fosse uma violação de suas mais virgens entranhas.

Eu não a vi sorrir e por muitas vezes, como agora, me censuro para não dizer o que vi.

Você inspira toxinas e faz a fumaça dançar em suas narinas.

Ser passivo neste teu vício foi talvez o que mais profundo respirei de ti hoje.

O seu até breve e o grande funeral do nunca mais
O sangue escorre pelas minhas mãos.

Ele faz com que cada tecla deste imundo emaranhado de letras em forma de piano seja como passos de dedos embriagados em uma dança moribunda qualquer.

Poderia também usar os mais absurdos trocadilhos e passear como um barqueiro condutor de almas neste papel virtual infinito.

Mas tenho que constantemente escolher se remo ou se rimo.

Dissestes-me que chorastes no céu.

Então digo-lhe que dele caístes uma chuva de natalhas em meus ombros que ainda insiste em me cortar. Ainda não sei se pútrida ou angelical, se fétida ou umbilical.

Testemunhas de Jeová alimentam os javalis na escola dominical.

É tudo o que vi no céu hoje.

Este mesmo palácio de jesuses inventados, astronautas mentecaptos e dos não menos memoráveis e estúpidos lunáticos.

Nem Ícaro e tampouco Galileu, hoje quem vomita física e escarra poesia neste universo sou eu.

O Lá é um agora de uma nota que a lua gritará por Dó.

Ela sabe então que o Sol nunca mais emitirá tal som.

Um adeus e nada mais
Sabes que em outra época o céu e o inferno tentaram nos avisar.

Manifestaram com suas trombetas causando-me as mais diversas pragas e desgraças.

Insisti, por um amor incompreendido, por um sentimento não correspondido e por um suporte nunca tido.

Eu a amei como nunca haveria sido.

Talvez o fim do que nunca começou é aquele retrato de nossas matérias nunca feito e que jamais será.

É, quem sabe, o cosmo dizendo que uma história sem registro é talvez mais fácil de ser esquecida…

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