O caçador de rainhas

Postado no dia: 5 de June de 2014 por Ãlvaro Perazzoli em Crônicas do Cotidiano, Literatura, Poemas, Poesia Maldita

Texto: Ãlvaro Perazzoli
Foto: Via Focusonmovies

Estamos em uma vila de pedras esquecida pelo passado e consumidas pelo presente.

Sou um mero observador de uma rainha que governa a escuridão e tem as sombras como súditos leais.

Ela envenena cada beco frio com sua fragrância e faz-me caçá-la como um cão vadio.

Estou faminto, mas nessas terras ermas de muralhas e labirintos são os penetrantes olhos verdes reais que tudo vêem que me perseguem.

Tudo é tão escuro, nesse instante o negrume é quebrado pelo rompimento do silêncio. O vento uiva e com ele ouço as delicadas notas da sua voz.

Sou o caçador errante, minha pele é negra, meus braços são estreitos e minha certeza é pálida. Caço-a, não para escravizá-la, mas para que ela sodomize meu reinado.

Então a vejo…

Encara-me com seus olhos cor de selva. Hipnotiza-me com a luz noturna refletida em sua pele.

De caçador agora passei a animal.

Todo seu poder é profanado em sua boca. E ela sabe o quão poderoso são seus lábios. Quantos morreriam por eles e quantos se sacrificariam apenas para tocar-lhes uma única vez?

E nessas trevas cinzentas, o escabroso vermelho em sua boca é a denúncia de que será ela quem tocará as sete trombetas do apocalipse.

E quem sou eu?

De animal passo a um ser rastejante qualquer que vai de encontro ao seu longo e alvinegro vestido.

Suas mãos afastam-me de seu corpo e condenam-me como um transgressor. De animal a presa, de razão a desejo, de certezas a vontades. Minha língua toca seus dedos repletos de unhas pinceladas de negro.

Desejo-a, quero-lhe, fito-a, miro-lhe, venero-a, martirizo-me.

Já não tenho mais matéria, sou agora uma alma vagabunda querendo abrigo em seu corpo.

Aqueça-me em teus seios, embale-me em teu canto, conforte-me em teu colo, mostre-me o fogo do inferno em tuas estranhas e a luz celestial em teu orgasmo.

Já estou farto de tanto frio e tanta escuridão. Vim caçar-lhe e agora sou o seu jantar?

Então, por favor, mastigue-me com estes grandes lábios, devore-me com a selvageria dos teus dentes e me saboreie com a majestosa dança da tua língua.

Os ventos trazem o som de violinos que tocam em uma janela distante. Sou então uma presa dispensada. Ela se vai sem ir eu fico sem a ter.

Recolho as partes que sobraram do meu eu para que amanhã possa novamente caçá-la.

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