A morte das gotas e as nuvens de algodão

Postado no dia: 15 de December de 2010 por Ãlvaro Perazzoli em Crônicas do Cotidiano, Poemas

Este poema foi escrito em janeiro de 2010 no meu primeiro retorno do Pantanal para São Paulo. Em Campo Grande (MS) conheci uma garota que me disse que na infância comeu algodão para saber qual era o gosto das nuvens…

A morte das gotas e as nuvens de algodão

Texto e fotos por Ãlvaro Perazzoli

Observo a chuva pela janela.

As gotas que caem não molham mais meu rosto, agora escondo minhas lágrimas com lentes escuras.

Quanto mais próximo fico do céu, mais longe fico dos sonhos e mais próximo fico da realidade.

Sinto medo, mas não sei ao certo de que.

Talvez de não voltar ou quem sabe de encarar o mundo que me espera.

Vejo as nuvens de algodão, espero encontrar algo diferente nesta paisagem incomum, talvez um casal de pássaros vermelhos.

Olho os montinhos de fumaça branca dançarem, ora são monstros, ora são castelos de qualquer coisa que jamais serão iguais.

Não sinto dor, não posso sentir amor, apenas flutuo por algumas dezenas de minutos em um universo de lembranças.

Estou em uma cápsula repleta de pessoas que tem medo da chuva e não podem me ver chorar.

Elas são estranhas.

Vai ficando para trás um lugar onde o céu é azul, as nuvens são brancas, a terra é verde e os sorrisos são tão sinceros.

Tão sinceros que tenho vontade de guardar em uma caixa, para abrir sempre que as frias cinzas do lugar que vivo atormentarem minha alma.

E nos olhos do sorriso mais belo, vejo um deus que perdeu seus fiéis discutir sobre amor com um rei que perdeu os súditos.

Será o incrédulo deles sobre o que sinto ou será que esses olhos não acreditam que alguém possa amá-los de verdade?

Carrego também a dúvida de como alguém que adora nuvens de algodão deseja tanto ser uma pedra.

Vai chegando uma terra cinzenta, onde ser e ter é mais importante que viver.

A chuva no lugar que vivo é pesada, ela não traz coisas do ar ou renova a alma.

Ela devasta e traz mais tristezas.

As gotas caem de uma forma diferente em cada lugar, aqui elas despencam, como se estivessem mortas, caem por cair.

Desta janela não posso olhar adiante ou para trás, apenas observo o presente e escolho o que devo guardar.

Quando o solo fica mais perto os sonhos dão lugar às metas, os sentimentos a obrigações e o coração volta a ser um motor.

Estou na terra que afasta os sonhos, banaliza o amor, transforma casamentos em contratos e amizades em interesses.

Devo acreditar que posso viver aqui sem estar nesse lugar.

Para isso lembro daqueles que na infância comeram algodão para saberem qual é o gosto das nuvens.

E quando a saudade for insuportável, olharei para o céu procurando as nuvens de algodão…

  1. Leisha Maria says:

    Nossa Ãlvaro! Que forte o que tu escreves, forte e bonito.
    Ãs vezes dou uma passadinha aqui pra tentar lembrar e te conhecer mais e cada vez me surpreendo com algo.

    Hoje foi este poema!
    Tens muito talento, parabéns!

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