Texto e foto: Álvaro Perazzoli

O Senhor da NoiteNa calçada do faraônico cemitério da Zona Leste de SP um homem nu de meia idade corre em direção a uma possível prostituta. Com os sapatos nas mãos ela foge sem roupa como um coelho assustado. E assim começa minha busca noturna por coquetéis alucinógenos que me farão sorrir na cama de uma qualquer.

Há uma igreja batista em uma das travessas da avenida desse depósito de corpos. Nesse lugar travestis dividem a calçada com putas “desaposentadas”, abutres pedem e farejam qualquer coisa que você tenha bem próximo dos senhores da alegria. Sim, eram esses últimos que procurava.

Com algumas poucas notas eles dão felicidade na forma e intensidade que você deseja. Comprei colorida, lenta, psicótica e poderosa.

Os senhores da alegria transformam qualquer mortal em senhor da noite. Entrei no primeiro bar que visualizei para ser feliz. Era uma casa tenebrosamente azul, de tom opaco, consistência áspera e gasta. Nele havia uma luz amarela parcialmente torta com o fio improvisado à mostra repleto de fuligem. Ao redor dela havia o antro do que a morte recusou e a vida esqueceu.

Uma velha maltrapilha com um espartilho surrado de três décadas atrás exibia na boca um vermelho nauseantemente vermelho. Ela me disse algo com a palavra amor no meu caminho para o banheiro.

Abri a porta sem bater, um ânus masculino era estupidamente devorado por uma boca vívida de um homem com pelo menos 30 anos a mais que eu. Minha presença não os incomodou, mas o som frenético de uma língua velha sedenta por aquelas pregas imundas me fez questionar sobre o encontro com a felicidade.

Não podia hesitar, escolhi a pia branca encardida por escarro e tudo de mais podre que nosso esgoto humano produz. Ali marquei um encontro com deus e me aconselhei com o demônio. Em pouco menos de 10 segundos fui ao Éden, visitei a Babilônia, coroaram-me Rei da Crimeia e vi bem de perto todas as explosões do sol.

Nesse momento a língua parou de conversar com o ânus e quando abri a porta era outro ser. Todos me olhavam e me veneravam, como se naquele lugar imundo tivesse surgido o príncipe das trevas vestindo Dior e Chalayan.

Caminhando em direção a saída, virei o copo de conhaque de alguém, assustei o cachorro de ninguém e fitei o SUV importado com duas garotas que conversavam com os senhores da alegria. Elas me olharam com um semblante desafiador e acharam graça na forma que caminhava na direção do veículo de cor pálida.

Não perguntaram meu nome, não disseram absolutamente nada, abriram a porta traseira esquerda e aguardaram que me acomodasse. Era como se uma carruagem aguardasse para levar-me ao altar dos sacrifícios no sétimo patamar do inferno.

Fechei a porta, subiram todos os vidros escuros e o carro começou a se movimentar. Uma batida demoniacamente árabe inundava o interior daquele automóvel. A carona pulou para o banco de trás e começou a gargalhar de forma assombrosa. Agora de rei passei a ser uma presa frágil e indefesa.

O veículo estava em uma velocidade alta e fazia curvas bruscamente. Nesse instante meu corpo caiu no colo daquela garota que vestia um vestido branco e exalava Paco Rabanne. Ela acariciou meu pau com força e começou a lamber a parte que estava à mostra do meu peito.

Segurou minhas duas mãos e me imobilizou. Sugou minha orelha, colocou-me de bruços no banco traseiro, afastou meus dreads e mordiscou selvagemente minha nuca. Minha vista estava turva, não sabia se ali estava uma garota oriental, um dragão chinês ou uma planta carnívora do Camboja que me consumia como um inseto.

Ela começou a me socar, senti meu nariz sangrar e ela não deixou que me limpasse, segurou novamente minhas mãos e recolheu o sangue com sua língua. Eu não sentia dor, receava pelo que podia acontecer e para onde me levavam. Ao mesmo tempo isso me excitava e ela percebeu o volume da minha calça aumentar.

Nesse momento consegui visualizar sua feição e me arrependi disso, era como um urubu que farejava carniça há quilômetros. No canto de sua boca havia resquício do meu líquido vital. Gostava do que via, ela imediatamente abriu minha calça e começou a chupar-me como uma vampira.

A condutora tinha cabelos claros e gritava algumas coisas junto com a música e nos olhava constantemente pelo retrovisor. Luzes vermelhas ofuscavam minha mente, o carro parou em um farol e o som de uma inalação profunda fez-me gelar a alma.

Ela não esperou as luzes ficarem verdes, saiu em disparada e se perdia frequentemente na direção. Fazia alguns gestos sincronizados com as mãos e passou agora a me olhar diretamente. Esquecia por vários momentos que havia um mundo a sua frente movendo-se no sentido contrário.

Estava apavorado, mas o desejo de morrer trepando era quase tão forte como a boca que me violava. Meu coração acelerou demasiadamente, segurei por instinto no encosto da porta e uma forte luz invadiu todo o interior do veículo.

“Deus chegou”, gritou a motorista. Um estrondo forte me atirou em direção ao banco dianteiro e estilhaços de vidro caíram por todo meu corpo. Vi em câmera lenta aquela boca livrar-se do meu cacete e seguir em direção a rua. Seu corpo dobrou-se violentamente quando cruzou a fresta dos bancos dianteiros e ancorou sem vida no poste que estava à frente.

Eu urrava dentro do carro, uma adrenalina sem fim tomava conta do meu corpo. Não sei se era um grito de alegria, de pavor ou de tesão. Apenas gritava.

No carro, a motorista se contorcia na bolsa de ar branca rabiscada pelo tom negro do seu batom. Mesmo fora de si e com um enorme corte na face era uma garota linda.

Beijei apaixonadamente sua boca ensanguentada, agradeci pela noite, abri a porta e segui meu caminho

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